O Estado de São Paulo
Aluna que pediu dinheiro de volta após professor da faculdade utilizar inteligência artificial para preparar a aula levantou debate sobre o tema.
Matéria publicada no Estadão em 19/05/2025
A história de uma estudante que pediu o seu dinheiro de volta após um professor da faculdade utilizar ChatGPT para fazer uma aula reacende a pergunta: é correto usar inteligência artificial na preparação de um conteúdo para ser usado em sala de aula?
Não há uma norma ou lei que regule o tema. Para especialistas em educação e tecnologia ouvidos pelo Estadão, professores podem – e até devem, para se manterem conectados com o mundo atual – utilizar o ChatGPT para preparar aulas, aprimorar atividades a serem desenvolvidas pelos alunos e ganhar agilidade em suas funções mais operacionais.
Mas esse uso precisa ser crítico e embasado no repertório humano naturalmente exigido de um professor. “Pode utilizar a IA para ajudá-lo na criação de aulas, sem que isso afete o conteúdo da aula. O conteúdo tem de passar pelo crivo do professor”, diz Elzo Brito, especialista em IA aplicada à educação no Centro Paula Souza, órgão paulista responsável pelas Etecs e pelas Fatecs.
Apesar de passarem por constantes aprimoramentos, inteligências artificiais como o ChatGPT ainda podem gerar respostas com muitos erros, principalmente porque seu banco de dados é a internet – e há bons e maus sites.
Por outro lado, já é possível pedir para que esses chats utilizem bancos de dados específicos. Assim, um professor pode, por exemplo, criar uma aula, subir este arquivo no ChatGPT e pedir para a ferramenta sugerir opções de aprimoramento ou personalização.
“O professor tem de fazer o mesmo uso dessas ferramentas que a gente espera que os alunos façam”, diz Lucas Chao, professor de Inteligência Artificial do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo. “Você pode delegar para a inteligência artificial aquilo que delegaria a um estagiário. Já algo de mais fôlego precisa ser feito pelo professor.”
Benefícios do uso da IA pelo professor
Segundo Chao, todo professor tem de conhecer e se manter atualizado sobre como funciona uma ferramenta de inteligência artificial, e utilizá-la em seu dia a dia pode ser uma ótima oportunidade para isso.
“Tem de conhecer a ferramenta até mesmo para saber quais respostas ela costuma dar e identificar quando seus alunos usam a ferramenta de maneira errada, para responder a uma questão que deveria ser respondida por eles sem essa ajuda”, aponta o professor.
São pontos positivos em relação ao uso da inteligência artificial na preparação de aulas, segundo Juliana Caetano, coordenadora de Tecnologia de Educação no Instituto Vera Cruz:
- A possibilidade de criar designs mais atrativos para apresentações, mesmo quando o professor não tem essa habilidade, nem sempre intrínseca à profissão;
- Receber dicas de personalização dos conteúdos para cada perfil de turma e aluno, tornando as aulas mais dinâmicas, inclusivas e efetivas;
- Ampliar as possibilidades de criação de atividades para a sala de aula, contribuindo para a criatividade do professor e o engajamento dos alunos.
“A gente faz treinamentos (nas Etecs e Fatecs) e incentiva que os professores utilizem a IA. Eu mesmo já criei diversas ferramentas para os professores criarem planos de aula, questionários. Mostrei a utilização dessas ferramentas para auxiliá-los no dia-a-dia”, afirma Brito.
Quais são os pontos de atenção?
Os especialistas apontam, no entanto, alguns cuidados e boas práticas na utilização do ChatGPT e outras inteligências artificiais por professores.
A principal delas envolve a proteção dos dados dos alunos: nunca se deve mencionar o nome completo, idade ou até o nome da escola em que trabalha, já que são plataformas abertas. Ou seja, outras pessoas podem acessar informações.
“É possível descrever os alunos em características e até dar nomes fictícios para que as ferramentas criem simulações para a sala de aula sem expor dados”, recomenda Chao.
A transparência sobre o conteúdo também ajuda a quebrar a ideia equivocada de que, pelo fato de o ChatGPT ter sido usado para fazer uma aula, tudo o que está ali é questionável.
Citar as referências bibliográficas e até mesmo explicar como a ferramenta foi utilizada na confecção do material não só aumenta a credibilidade do conteúdo, como estimula os estudantes a utilizarem a IA de forma mais responsável.
Outra dica é pesquisar sobre engenharia de prompt para aprender sobre a linguagem das inteligências artificiais e conseguir utilizar as ferramentas de maneira mais assertiva. Isso significar dar as orientações mais adequadamente para conseguir o resultado esperado.
“A inteligência humana no uso da inteligência artificial começa com um bom prompt (formulação de perguntas em linguagem de IA) e termina com uma boa revisão”, afirma Julia